Reli "O Delfim" de José Cardoso Pires e deixo aqui um apelo à sua leitura, através do clube de leitura do PNL.
"O Delfim, a obra de José Cardoso Pires, que foi publicada pela primeira vez em 1968, e cuja edição saiu ultimamente nas Publicações Dom Quixote, parece-me conquistar um lugar característico na produção literária portuguesa da segurada metade do séc. XX. Não é, com efeito, e de longe, uma obra vulgar, na medida em que esta narrativa de um crime (crimes que desde há séculos, como reflexo de avestruz, a humanidade insiste em pretender que não são perfeitos) cuja arma é o amor, desenrola-se de maneira, por assim dizer, irracional, ao ponto de sentirmos rapidamente a impressão são de sermos -- à procura da chave de um enigma - lançados num labirinto, sem termos tomado a precaução de segurar a ponta do fio de Ariane. Esta profunda reflexão sobre os temas do amor e da morte, parece ter sido voluntariamente concebida pelo autor como uma «estalagem espanhola», em que, sabêmo-lo, cada um consome apenas o que quis levar. É um brilhante exercício de estilo bastante impregnado das nostalgia do passado: «Antigamente, em tempos mais felizes ...». Página após página pressentimos o papel importante atribuído a uma lagoa da vizinhança.«Lagoa, para a gente de aqui, quer dizer coração, refúgio de abundância. Odre. Ilha de água cercada de terra por todos os lados e por espingardas da lei.». Esta lagoa - «que abundância e toda a abundância traz castigo» - enorme massa d'água que deveria ser berço de vida será, no caso, de instrumento morte. De passagem ‚ evocado problema da esterilidade: «Donde vem o mal que impede os frutos? Da esposa inabitável ou da semente que não tem força para viva dentro dela?».
À noite também é atribuído um papel importante: «De então em breve vai render-se à noite, que é a face comum do universo, aconchegar-se nela, preencher os buracos e as rugas com escuridão.». Vale a pena citar algumas linhas literariamente fundidas no bronze e consagradas a uma lagartixa: «Uma lagartixa parda. Imóvel, parecia um estilhaço de pedra sobre outra pedra maior e mais antiga, mas como todas as lagartixas, um estilhaço sensível e vivaz debaixo daquele sono aparente. Pensei: o tempo, o nosso tempo amesquinhado.». «Como pesa o tempo vencido sobre quem se aventura a recompor», podemos ler no final da obra. Este belíssimo exercício sobre «a curiosidade, a terrível curiosidade» é, em suma, uma perfeita ilustração do que escreveu George Bemanos (1888-1948): «Vejo agora que cada crime criado à sua volta como uma espécie de turbilhão atrai invencive1mente para o seu centro, inocentes ou culpados, e de que ninguém seria capaz de calcular antecipadamente nem a força nem a duração.». Eduardo Prado Coelho, no seu prefácio a O Delfim, intitulado O Círculo dos Círculos, tem toda a razão em sublinhar: «Críticos e ensaístas procuram decifrar, mas o prazer do leitor vem desse informulável que fica EM SUSPENSO no corpo vivo do texto.». Este 1ivro que já foi editado no Brasil, em França, em Espanha,, na Alemanha, em Itália, na Pol6nia, na Checoslováquia, na Finlândia e na Roménia, honra as letras portuguesas."
Rede de Saberes: José Cardoso Pires: O Delfim
Sem comentários:
Enviar um comentário