segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Shaun Tan

Shaun Tan é o ilustrador australiano que recebeu o Óscar para Melhor Curta-metragem de Animação e foi reconhecido com o  Prémio Astrid Lindgren 2011 (Feira do Livro Infantil de Bolonha).

Há dois títulos disponíveis  em português  - "Contos dos subúrbios" e "A Árvore Vermelha".
 Peter Hunt afirmou que “Um bom livro infantil é um livro que faz todos, adultos e crianças, pensarem.”»
in Revista Ler

Complexo de Portnoy

Acabei de o ler e gostei. Pareceu-me  fazer uma viagem até algumas personagens  personagens do Woody Allen. Mais contundente e profundo.

Mais do que um violento ataque à família judaica, "O Complexo de Portnoy" é um violento ataque à instituição familiar Nos idos de 1969, "O Complexo de Portnoy" não foi apenas um caso literário que valeu ao autor - ao quarto livro - a sua confirmação como grande esperança das letras americanas. Também aconteceu tornar-se caso de escândalo. A linguagem gráfica e o hiper-sexualismo de Alexander Portnoy, narrador e protagonista, foram só meia razão da querela. O violento ataque que Roth supostamente fazia à cultura judaica foi a outra metade, e talvez a mais feroz, tendo em conta que o próprio autor é judeu e, tal como o seu protagonista, um filho da classe média trabalhadora e cumpridora de Newark.
Mas o tempo funcionou a favor deste monólogo em que Alexander Portnoy se dirige ao seu psiquiatra, o doutor Spielvogel, explicando o porquê de precisar de ajuda numa narrativa linear - parte-se da infância e chega-se à idade adulta (Portnoy tem 33 anos) -, mas não isenta de episódios derivativos ou do ocasional salto temporal.
A denúncia que "O Complexo de Portnoy" fazia da família judaica e dos seus preconceitos foi demasiado empolada e ninguém pareceu ter em conta que, em última instância, Roth não estava apenas a querer provocar gratuitamente a instituição judaica, mas a pôr em causa toda e qualquer ideia de instituição familiar enquanto lugar de protecção e de passagem identitária. Também se fez notar demasiadas vezes o fascínio que Portnoy tinha pelos católicos; e demasiadas vezes se chamou a atenção para a inigualável "voz" de Portnoy, que oscila entre a recriminação, a admissão de culpa, a regressão, a agressão e a perversão, incapaz de (se quisermos moralizar) assumir uma masculinidade adulta e saudável. Mas foram assinaladas vezes a menos duas qualidades maiores do romance: a sua fuga à convenção e a capacidade de universalizar um mundo à partida exclusivamente judaico.
O romance é pouco convencional no sentido em que não está construído de forma a que o leitor alimente expectativas em relação ao final. Na prática, podia resumir-se numa linha ("A minha mãe castrou-me") e tanto podia ter dez como mil páginas. A violenta cisão na identidade de Portnoy surge logo ao primeiro parágrafo, quando Roth, que nunca foi um mestre de subtileza, põe Portnoy a chamar à mãe "a figura mais inesquecível que eu já conheci". A mãe surge como um ser hiper-vigilante, ao ponto de aos 33 anos ainda tratar o filho por "meu amante". Omnipresente, verifica se a gola do filho está bem posta, tira-o da rua quando ele joga beisebol para não se constipar, alerta-o para os perigos das raparigas não-judias, e, aqui e ali, aponta-lhe uma faca quando ele não quer comer a refeição, não se coibindo de dizer às amigas ao telefone que o seu azar "é ser boa de mais" para os outros. Já o pai é um homem apagado, que chora muito e sofre de permanente obstipação. Este traço de carácter é, no seu freudianismo primário, um achado de humor: metaforicamente, isto significa que o pai não consegue atirar a sua merda cá para fora, pelo que a violência exercida sobre o filho cabe por exclusivo à mãe, daqui resultando a neurose narrada. Esta mãe é um símbolo da preservação dos valores judaicos: institui o território, faz figura de estado hiper-proteccionista, é capaz de um amor excessivo pelo filho mas culpa-o de cada acto que o possa afastar do ideal. A mãe, por outras palavras, é Israel.
Portnoy tenta estar à altura, obrigando-se a ser um bom menino. Vai cometendo os seus pecadilhos, coisas graves como andar de patins num lugar povoado de filhas de "goyim", as raparigas loiras que a família sempre tentou afastar do seu rapaz-prodígio e masturbar-se para a carne "kosher" que a mãe prepara. Quando Portnoy vai, com dois colegas, a casa de uma rapariga conhecida por dar baldas, a punheta que ela lhe bate revela-se infrutífera e ele só consegue vir-se com a sua própria mão, imagem pungente da resposta narcísica perante o objecto de desejo. O jacto do esperma atinge-o no olho e ele acredita piamente que vai ficar cego e foge. A rapariga, que tinha dito que só aceitava ir com um dos rapazes, e que se zangara com Portnoy por ele ter sujado o quarto de esperma gritando-lhe "judeu", acaba por ser papada por um dos amigos. Portnoy fica chocado: a rapariga tinha feito um comentário racista e ainda assim o amigo deixa-se chupar pela galdéria? E não aparenta ter medo de doenças? Como raio pode o amigo andar descansado quando teve relações sexuais com uma mulher impura enquanto ele, Alexander Portnoy, está tão preocupado, tão culpado?
A grande vitória de Roth não são as suas bicadas ao judaísmo, mas a capacidade que tem de tornar a cisão particular (judeu vs. resto-do-mundo) num traço universal (o eu vs. resto-do-mundo). Exemplifique-se com a frase em que mãe diz que o seu mal é ser boa de mais - todo o rapaz nascido no mundo ocidental ouviu uma frase assim saída da boca da sua omnipresente mãe. Isto é: mais que uma luta contra o judaísmo, o livro torna-se uma luta pela identidade.


im Ipsilon, Jornal Público

ISABELA FIGUEIREDO LANÇA “UM CÃO NO MEIO DO CAMINHO”

https://youtu.be/qTt36ja7LOQ?si=Kjlj0eKp0zUYnBLY&t=168