sábado, 27 de dezembro de 2014

A Rainha Ginga

Não me agarrou.

"(...) Fala sobre a história de Angola…
Sobre a História do mundo. De Angola, do Brasil, de Portugal, da Holanda. É ali que se define quem fica com Luanda. Podiam ter sido os holandeses. É um período de construção da História, tudo se decide. Quis mostrar que os africanos tiveram um papel activo em todo esse processo de construção do mundo, das fronteiras de Angola, do Brasil, de Portugal. Tinha a personagem extraordinária da Rainha Ginga e o mundo à volta dela. Era a história que eu queria contar.(...)
in entrevista a Agualusa

 Jornal Sol a 7 de junho de 2014





Ginga, a incapturável

Poderosa rainha africana, Nzinga Mbandi resistiu à invasão portuguesa, guerreou e exerceu a diplomacia para se manter no poder por quase 40 anos

Mariana Bracks
Não foi fácil para Portugal retirar milhares de pessoas da África para servirem como escravos na América. Longas lutas de resistência foram travadas contra a colonização, que contava com altos investimentos militares e uma política que combinava opressão, violência e alianças com chefes locais.
A trajetória de Nzinga Mbandi é um exemplo de como os chefes centro-africanos enfrentaram o avanço português. Hábil guerreira, estrategista política e militar, Nzinga foi uma líder carismática, uma rainha que passou a vida combatendo e morreu sem nunca ter sido capturada.
Nasceu em 1582, filha do oitavo Ngola (do qual derivaria o nome Angola), título do principal régulo do reino do Ndongo. Os portugueses haviam iniciado a colonização a partir de Luanda sete anos antes, e foram ganhando o interior com a construção de “presídios” – fortificações militares no curso do Rio Kwanza, que abrigavam os comerciantes de escravos – e a organização de feiras em que a principal mercadoria eram as pessoas escravizadas. Criaram também um sistema de avassalamento de sobas, os chefes locais autônomos que pagavam tributos aoNgola em troca de proteção militar e espiritual. Após a invasão portuguesa, eles eram batizados e se declaravam fieis à Coroa. Essa condição incluía diversos compromissos: fornecer baculamentos (tributos pagos geralmente em escravos), dar passagem às tropas do governo, permitir kitandas (feiras e mercados) em seu território e contribuir com escravos para serem soldados da “guerra preta” – o pelotão que lutava junto aos portugueses.
A guerra se generalizava, e com ela o clima de instabilidade. Os sobados intensificavam ataques a povoados vizinhos para saldar suas dívidas com os portugueses, pois os prisioneiros capturados em guerra eram escravizados. Ao sinal de qualquer atitude considerada infiel, o governo português invadia os sobados e matava seus líderes, substituindo-os por chefes aliados.
Foi nesse contexto de penetração portuguesa no reino do Ndongo, movido pelo tráfico negreiro, que Nzinga Mbandi cresceu. No reinado de seu irmão Ngola Mbandi, agravou-se a tensão entre os locais e os conquistadores. Em 1617, o governador de Angola, Luis Mendes de Vasconcelos, invadiu o reino do Ndongo para construir o presídio de Mbaka, a poucas milhas da Cabaça, a moradia do Ngola. O resultado foi uma guerra intensa, ao fim da qual Ngola, vencido, refugiou-se na ilha de Kindonga, no Rio Kwanza. Em 1622, João Correia de Sousa assumiu o governo e decidiu procurar o Ngola para restabelecer a paz, uma vez que o cenário de guerra paralisara os mercados de escravos. Foi quando Nzinga entrou em cena.
Ngola Mbandi mandou sua irmã mais velha como embaixadora para negociar a paz com os portugueses. Na audiência com o governador, ela impressionou a todos por sua inteligência e habilidade diplomática. Defendeu a manutenção da independência do Ndongo e o não pagamento de qualquer tributo à Coroa portuguesa, mas se mostrou aberta ao comércio. Entendendo que a paz com os portugueses passava pelo batismo cristão, aceitou o sacramento: recebeu o nome de D. Anna de Sousa, tendo como padrinho o próprio governador. De sua parte, os portugueses se comprometeram a efetivar a retirada do presídio de Mbaka.
Estratégia política em nome da resistência africana ou conversão ao catolicismo, o batismo de Nzinga Mbandi gera controvérsias entre os estudiosos até hoje.
Estratégia política em nome da resistência africana ou conversão ao catolicismo, o batismo de Nzinga Mbandi gera controvérsias entre os estudiosos até hoje.
O acordo, porém, não foi cumprido nem por aquele governador nem pelos sucessores. A situação levou ao enfraquecimento político de Ngola Mbandi, que morreu na ilha de Kindonga, em 1624, em circunstâncias que continuam sendo uma incógnita para a historiografia de Angola. Nzinga se apoderou das insígnias reais e assumiu o trono do Ndongo.
A nova rainha foi associada à possibilidade de libertação do povo Mbundo, etnia predominante no reino Ndongo. As crescentes fugas de kimbares – escravos que guarneciam os presídios ou eram dados pelos sobas para comporem a “guerra preta” – enfraqueciam as tropas lusas, enquanto fortaleciam o exército de Nzinga. Aproveitando-se desse contexto favorável, a rainha lançou uma campanha antilusitana, formando e liderando uma confederação de descontentes com a colonização. Conquistou o apoio de sobas que já haviam se avassalado, além de poderosos chefes que não pertenciam ao Ndongo, como o Ndembo Mbwila (Ambuíla).
Capturar Nzinga e reduzi-la à obediência passou a ser um dos objetivos principais do governo português. Em 1626, o governador de Angola, Fernão de Sousa, arquitetou um golpe político para que Are a Kiluanje, um vassalo dos portugueses, assumisse o trono. Nzinga se refugiou na ilha de Kindonga e conseguiu se livrar do cerco usando sabiamente a geografia do local, deslocando-se pelas diversas ilhas do Rio Kwanza. Quando as tropas lusas enfim a encurralaram em Kindonga, ela mandou seus embaixadores informarem que estava disposta a se render e se avassalar. Para isso, no entanto, pediu uma trégua de três dias. Passado o prazo, os portugueses perceberam que tinham caído em um golpe: Nzinga já estava longe dali.
A rainha foi então buscar proteção junto aos temidos jagas, guerreiros nômades que se organizavam em kilombos – acampamentos que se deslocavam conforme as necessidades de guerra, com rígida hierarquia e severa disciplina militar. Nzinga recebeu o título feminino mais importante no kilombo – Tembanza –, assumindo funções rituais essenciais. Imprimiu consciência política aos bandos, que até então viviam errantes, praticando roubos e sem se prenderem a linhagens. Sob o comando de Nzinga, os kilombos passaram a compor a frente de resistência contra a ameaça estrangeira. O incrível poderio bélico que Nzinga conseguiu mobilizar junto aos jagas foi crucial para se manterem livres e vencer os portugueses por várias vezes.
Por volta de 1630, Nzinga ocupou o reino de Matamba (Ndongo Oriental), terra evocativa de seus ancestrais e tradicionalmente governada por mulheres. Foi na condição de rainha de Matamba que ela soube da invasão holandesa em Angola, em 1641. Ali estava uma oportunidade de estabelecer nova aliança para minar a presença portuguesa na região. Nzinga aproximou-se dos invasores, e juntos criaram uma importante rota comercial que conectava Luanda (agora de posse holandesa) a Matamba, trocando escravos por mercadorias europeias, sobretudo armas de fogo.
Era fundamental para a oligarquia do Rio de Janeiro restabelecer o domínio do mercado de escravos em Angola. Isso foi conseguido em 1648 por iniciativa de Salvador de Sá, que organizou tropas formadas por índios e bandeirantes para expulsar os holandeses. A vitória lusa teve o efeito direto de enfraquecer a rainha Nzinga. Suas duas irmãs foram capturadas e mantidas como reféns pelos portugueses. Kifunge acabou assassinada em Massangano, acusada de espionagem. Mocambo ficou presa em Luanda, utilizada como arma política a fim de forçar a rendição de Nzinga.
O papa Gregório XV, com o objetivo de diminuir o poder que as coroas ibéricas tinham acumulado com as colonizações, criara em 1622 a Propaganda Fide – a “propagação da fé” –, que permitiu a ida à África Central de missionários que não tinham relações com a Coroa portuguesa. Entre eles estavam os capuchinhos, que chegaram à região na década de 1640. Nzinga enxergou nesses religiosos outra possibilidade de fazer novos aliados europeus que não fossem ligados ao governo português. Por meio do capuchinho italiano Antonio de Gaeta, Nzinga retornou ao catolicismo em 1656, renegando os ritos gentílicos e aceitando a fé de Cristo. A conversão ao cristianismo foi uma saída estratégica, pois, já idosa, ela sabia que a cruz seria o caminho mais rápido para a paz e para conseguir o retorno de Mocambo, sua irmã indicada à sucessão de Matamba, enfim libertada pelos portugueses em 1657.
A líder de Matamba morreu em dezembro de 1663, com mais de 80 anos, sepultada de acordo com os ritos cristãos. O povo Mbundo a venerou como “rainha imortal”, que nunca se entregou e que jamais aceitou a submissão aos invasores. Sua fama atravessou o Atlântico e chegou ao Brasil. Aqui, o nome Ginga, ou Jinga, é evocado em rodas de capoeira, em congados e maracatus de múltiplas formas: como guerreira que engana os adversários, inimiga da corte cristã, venerável ancestral de Angola.







A rainha com seu séquito de guardas e músicos, em desenho de 1622 do frei capuchinho Giovanni Antonio Cavazzi de Montecuccolo, contemporâneo de Nzinga.



Mariana Bracks é autora da dissertação “Nzinga Mbandi e as guerras de resistência. Século XVII” (USP, 2012).

Saiba Mais

Unidos pelo tráfico: a escravidão na África era comum antes da chegada dos europeus ao continente. Veja mapa sobre os reinos do Congo que explica essa dinâmica.
ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. Séculos XVI e XVII. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
CASCUDO, Luís da Câmara. Made in África. São Paulo: Global Editora, 2001. 
PANTOJA, S. A.Nzinga Mbandi: Mulher, Guerra e Escravidão. Brasília: Thesaurus, 2000.
SOUZA, Marina de Mello e. Reis negros no Brasil escravista: história da festa de coroação de rei Congo.Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.


in http://www.revistadehistoria.com.br/secao/retrato/ginga-a-incapturavel-1









Images in: http://www.africafederation.net/Ndongo_History.htm


Amada Vida de Alice Munro



Gostei da escrita seca e da narrativa linear.
Mas é duro quando, de repente, a vida troca as voltas ao leitor. Uma situação imprevista dá a volta à história.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

O que é a intolerância? Veja este filme curta metragem animado e reflita...

                     


                           

CONVIVÊNCIA

                       

                          

A Maior Flor do Mundo | José Saramago






                             

A MENINA QUE ODIAVA LIVROS





                                

A leitura na vida!

           

                             

A importância da leitura

                       


                           

Popularlibros.com - BOOK - Versión completa

                         
                         

domingo, 12 de outubro de 2014

O Português inquieto



António, médico, em Lisboa, no final do século XIX, parte para a China, à procura da cura para a doença do pai - a sífilis.
Conhece a realidade oriental, o dr. Xu e Fumi.

Memória de elefante




Este psiquiatra está   deprimido, separado da mulher e das duas filhas, vivendo numa Lisboa após PREC  , após comissões na Guerra do Ultramar que lhe deixaram marcas indeléveis. 
Questiona-se a cada momento, a si próprio,  às atitudes que toma à vida que leva. Lembra-se de tudo, tem uma  "memória de elefante": alguém que consegue lembrar-se de tudo, adquirir facilmente informações à sua volta e guardá-las. Isso pode ser uma mais valia para muitos, mas para este psiquiatra é a causa da sua desgraça.

O Mosteiro de Agustina


A biografia de Dom Sebastião, escrita por Belchior, personagem da narrativa principal, surpreende-nos. 
Mas já no final do penúltimo capítulo, as sobrinhas de Belche encontram “o caderno de Belche, a sua história sebástica”: 
Em O Mosteiro, a rutura da sequência narrativa, leva-nos à questão da biografia elaborada.
Belchior é uma personagem e um escritor de ficção. A sua história,  (nos quatro primeiros capítulos), é a história de um escritor em formação. Quando se chega à biografia de D. Sebastião, já conhecemos o escritor. 
Mas o conhecimento do texto de Belchior só é possível quando ele sai  da gaveta do esquecimento. 
Não é fácil dizer como as coisas se passaram - uma reflexão e reescrita do mito  sebástico, procurando as respostas, os impulsos e a inevitabilidade que levaram D. Sebastião àquela batalha.
O Vale de S. Salvador,  mergulhado numa atmosfera de nevoeiro, prenuncia o Desejado.
O episódio de Alcácer-Quibir possibilita ao mosteiro e ao vale, a libertação financeira e psicológica.
 A população de São Salvador vê-se livre da responsabilidade do sucesso, tão sonhado quanto impossível, e capaz de trabalhar suas frustrações e expectativas reais, sem o sonho do passado.

Entrevista a Agustina Bessa-Luís - parte 2

                             

Entrevista a Agustina Bessa-Luís - parte 1

                           

Documentário "Agustina Bessa-Luís - Nasci Adulta e Morrerei Criança"

                 
               

Série "Grandes Livros" - Viagens na Minha Terra de Almeida Garrett

                           

José Saramago - Memorial do Convento. Grandes Livros.m4v

     

                  

Grandes Livros - Episódio 1: "Os Maias", Eça de Queirós (Parte 5/5)

                       

                               

Grandes Livros - Episódio 1: "Os Maias", Eça de Queirós (Parte 4/5)

                               

Grandes Livros - Episódio 1: "Os Maias", Eça de Queirós (Parte 3/5)

                     

Grandes Livros - Episódio 1: "Os Maias", Eça de Queirós (Parte 2/5)

                                 

Grandes Livros - Episódio 1: "Os Maias", Eça de Queirós (Parte 1/5)

                           

Herman José - Entrevista a Clara Ferreira Alves no Falatorio

                            

Video: Clara Ferreira Alves

                     
                            

Falatório- O Cinema Português programa de CFA.

                     



            

CONTROVERSOS com Clara Ferreira Alves

             

                          

Fernando Pessoa - Grandes Portugueses [2007]

           
                                

José Cardoso Pires entrevistado por Clara Ferreira Alves

                       
                                 

domingo, 10 de agosto de 2014

Leituras de férias


João Tordo envolve-me com a narrativa de Saldaña Paris, em " Biografia involuntária dos amantes". Inquieta-me esta busca de identidade!
Agualusa  surpreendeu-me com "A Rainha Ginga"! Resquícios de memórias ancestrais.
Volto a Agustina Bessa-Luís com Fanny Owen e a Lobo Antunes com "Memórias de elefante" como se  a sua presença física me reconfortasse.

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Poema para ofertar

Feita de veludo  porcelana
Sopra  brisa ou vento norte
Remete ao silêncio
As emoções.
Desenho,  esboço,  recorte
Suave e forte
Luz cor e seduções
Ilustrações




Narrativas

As estórias que ouço criam raízes e permanecem.
Fujo delas pelo caminho da memória mas  revejo-as dentro dos sonhos.
Sou eu a agigantar-me quando as narrativas me prendem e gritam  por uma saída qualquer .

Setúbal






Jacarandás - Purple Tree




"Chão de pardais" e "Grito de gaivota"


Gosto da estrutura da narrativa de Dulce Cardoso.
Não conhecia este diário de Emanuelle Laborit nem imaginava que a França tinha proibido a linguagem gestual até 1991!

terça-feira, 20 de maio de 2014

Mário de Carvalho

"Era bom que trocássemos algumas ideias sobre o assunto"

"Que significa ser comunista hoje?"

Palavras

Solto as palavras.
Parecem de vento
Papagaios de papel
Liga-as ao pensamento
Uma linha dentro de mim.
Solto-as e prendo-as
Pelo sentido
Escolhem-me
Voam por mim
Como augúrios
Ou prenúncios de desgraça.





segunda-feira, 31 de março de 2014

Chove-me o ser, não a alma. O ser e a alma são capa e contracapa. Não se colam, viram-se cada um para o seu lado.
Os sonhos dormidos estão no ser e na alma há um sentido mais fundo que  existe e não encontro.
Só em momentos raros de lucidez.

domingo, 23 de março de 2014

Sei de cor

Sei de cor o que me dói.
A dor de ser quem sou no momento.
Quando me solto, brinco com as palavras, voo.
E será que sou eu?

Chove como quem chora

Chove como quem chora. Chora o que foi, chora o que vem?
Chuva que molha o sem abrigo que mora aqui ao pé de mim.
Com dignidade e dois cães pequenos, em  alerta.
Ele não os deixa e eles ficam.
A única pertença de quem não tem mais.
Deito-me, penso neles. Acordo, vou à janela.
Não os vejo, mas queria que não chovesse e não fizesse frio no inverno da vida.
Amor de cão?
Meu ou deles?

2 de janeiro de 2014


segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Pedro Teixeira Neves

Pedro Teixeira Neves nasceu em Lisboa, em 1969, com raízes na Madeira e na Figueira da Foz. Cresceu em Bragança, continuou a crescer em Portimão. Regressou depois a Lisboa para cursar Relações Internacionais, que termina em 1994. Jornalista, foi nesse exacto ano, no jornal «Semanário», que se iniciou na prática de assinar artigos. Depois foi parar às Artes: escreveu sobre teatro, sobre livros, sobre artes plásticas. Em 1998 segue para a revista «Arte Ibérica», cuja redacção vem a chefiar. Na mesma época encontra-se também ao leme da «Agenda Cultural de Lisboa». Em 2001 fundou a revista de artes e espectáculos «Arte Ibérica», que até hoje dirige. Na literatura, começou por publicar contos e poemas no extinto «DN Jovem». Lançou, em 2003, na Temas e Debates, o romance «Uma Visita a Bosch». Em 2006, nas Edições Quasi, assinou o livro de poesia «Chiasco». Em 2007, editou, na Caminho, dois livros para o público infantil: «Histórias Tais, Animais e Outras Mais» e «Histórias de Patente, com Tenente e Outra Gente».

O teu rosto será o último

Este livro também me abanou e este não sei porquê.
Mexe com a solidão e tem um olhar introspetivo sobre as vidas que se cruzam na família e na sociedade.
Há no recuo de Duarte uma sobriedade e angústia que me tocaram.

O teu rosto será o último

O Teu Rosto Será o Último
Autor: João Ricardo Pedro
Editora: LeYa
N.º de páginas: 207
ISBN: 978-989-660-209-3
Ano de publicação: 2012
Na edição de 2011, o Prémio LeYa distinguiu pela primeira vez um romancista estreante: João Ricardo Pedro, ex-engenheiro electrotécnico que aproveitou uma situação de desemprego para cumprir, aos 36 anos, o sonho adiado da escrita. Há uma certa justiça poética em ver entregues os cem mil euros do prémio a alguém que verdadeiramente precisa deles, mas o júri está sobretudo de parabéns por ter distinguido um belíssimo primeiro romance, obra que nos permite assistir ao fenómeno raro de ver um autor a nascer diante dos nossos olhos, nos seus rasgos mas também nos seus tropeços. Quando terminamos a leitura de O Teu Rosto Será o Último, fica a sensação de que o romance é uma espécie de crisálida, dentro da qual o escritor descobriu a sua voz e a sua natureza narrativa. A crisálida, porém, não é neste caso um mero invólucro que se deixa para trás, testemunha esvaziada de uma metamorfose, mas uma entidade digna de admiração por si mesma.
O livro começa no dia 25 de Abril de 1974. Estamos longe de Lisboa, numa «aldeia com nome de mamífero» lá para o norte, no sopé da Serra da Gardunha, e o «vento da mudança» que empurrará Marcello Caetano para o exílio e o país para a liberdade democrática ainda não chegou àquelas paragens, onde as pessoas «viviam da cruel aritmética dos alqueires, dos cinchos, das safras, das luas, das maleitas, das malinas, das geadas». As primeiras páginas circulam por paisagens rurais, alternando entre os escassos ecos da revolução, dissecados em conclave pelas forças vivas da aldeia, e a história do desaparecimento de uma personagem misteriosa, Celestino, que há-de ser encontrado morto, «a cara crivada de chumbos». O tom é próximo do realismo rústico praticado por José Riço Direitinho nos seus primeiros livros: uma aproximação à maldade humana e à aspereza social dos meios pequenos e fechados, com personagens incapazes de escapar aos «azares da vida».
Se o leitor cria algum tipo de expectativa em relação à história que começou a ler (por exemplo, a de saber quem matou Celestino e porquê), ela é imediatamente desfeita pelo segundo capítulo, que nos apresenta o verdadeiro protagonista do romance: Duarte, um rapazinho que vive em Queluz com o pai, António, veterano com duas comissões na Guerra Colonial, filho do doutor Augusto Mendes, médico que há quatro décadas ofereceu a Celestino o seu olho de vidro. O tempo, em O Teu Rosto Será o Último, não é linear. Não há ordem cronológica, só momentos isolados, em sucessivos avanços e recuos. As histórias das três gerações da família entrelaçam-se assim num vertiginoso movimento de deriva. Tão depressa acompanhamos os dilemas adolescentes de Duarte, pianista dotado que desiste de tocar – e de ser «o maior beethoveniano do seu tempo» – por «ódio» ao dom, como estamos numa picada em Angola com o furriel António Mendes, ou descobrimos as cartas scherazadianas de Policarpo, o velho amigo do avô Augusto, que abandona o país quando Salazar sobe ao poder.
À medida que a narrativa avança, bifurcando-se cada vez mais em sub-enredos que por vezes se resumem a duas ou três páginas (uma sucessão de artistas falhados e figuras enigmáticas, como o barbeiro Alcino ou a professora de canto eslovaca), o efeito de deriva acentua-se. Este é um romance atravessado pela música, mas uma música que a dado momento se parte, se desarticula, levando Duarte ao silêncio dos dedos sobre o teclado e a narrativa ao seu próprio colapso, à incapacidade assumida de atar os fios que talvez só façam sentido soltos. Pelo meio, fala-se de castigos e vinganças, de amputações, da história portuguesa (a guerra, a campanha de Humberto Delgado, a PIDE), de vários tipos de orfandade. A orfandade literal, dos filhos que perdem os pais, mas também a orfandade ideológica, de quem viu ruir as ilusões nascidas com o 25 de Abril ou assistiu, com uma certa incredulidade, ao fim da União Soviética. Um momento que João Ricardo Pedro faz coincidir simbolicamente com a derrota da URSS na final do Campeonato da Europa de futebol de 1988, num capítulo extraordinário que está entre o que de melhor se escreveu na ficção portuguesa recente.
Avaliação: 8,5/10
[Texto publicado no suplemento Actual, do semanário Expresso]

O investigador

Este livro tem o sabor amargo da sociedade em que vivemos.
Muito bem escrito porque se não, não me deixava nesta opressão e inquietação. Nesta vontade de voltar as costas ao capital e seguir os avisos de  Agostinho da Silva.
Depois fui à procura e vi que se baseou num facto real - os suicídios em França.

O investigador

Inspirado na vaga de suicídios ocorrida na France Telecom em 2009, o Investigador deste romance procura desvendar as causas que levaram os funcionários de uma grande empresa a porem fim à sua vida. Segundo François Busnel (L’Express),«Claudel mostra até que ponto a ficção consegue apreender a realidade».
Philippe Claudel é já um dos nomes confirmados para participar na Feira do Livro de Lisboa, no feriado de 25 de Abril.
O LIVRO
«Não é olhando que descobrirás.» Como pôde o Investigador adivinhar? Como pôde saber que esta investigação de rotina seria a última da sua vida?
Encarregado de descobrir as causas de uma onda de suicídios numa grande empresa, o Investigador sucumbe gradualmente à ansiedade. O hotel onde se instala é abrigo não só de turistas, como de gente deslocada e estranha. Na empresa onde investiga, ninguém o apoia e o clima é hostil. Terá caído numa armadilha, será vítima de um pesadelo demasiado real? Não consegue comer, beber ou dormir, e as suas perguntas só dão origem a mais perguntas. À medida que faz algumas descobertas, interroga-se se não se tornará ele na nova presa a ser esmagada por aquela máquina infernal. E começa a compreender a nossa impotência face a um mundo que nós próprios construímos e que conduz à nossa destruição.
O AUTOR
Philippe Claudel é o autor do bestseller Almas cinzentas, vencedor do Prémio Renaudot 2003, do Grande Prémio literário Elle 2004 e classificado como Livro do Ano pela revista Lire em 2003. Está traduzido em mais de 30 países. Em 2007, o seu romance O relatório de Brodeck foi galardoado com o Prémio Goncourt des lycéens. Realizou o filme Il y a longtemps que je t’aime, com Elsa Zylberstein e Kristin Scott Thomas, em 2008, vencedor de dois prémios César.
  in http://planetamarcia.blogs.sapo.pt/433037.html

ISABELA FIGUEIREDO LANÇA “UM CÃO NO MEIO DO CAMINHO”

https://youtu.be/qTt36ja7LOQ?si=Kjlj0eKp0zUYnBLY&t=168